segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Xadrez

No fim, eis que a vida recomeça.
Comecei o dia com a morte cravada no estômago e senti todos os sentimentos do mundo. As mágoas almofadaram-me o espírito e amortecem o teu esgar, sempre a evitar-me, não podendo enfrentar-me. Não te vou dizer mais nada. Movi a rainha no tabuleiro, o jogo está do teu lado.
Nada faz sentido. Os teus actos desconectam-se das palavras, és dois. O que amo e o que nunca conheci. E, no fundo, sei que és parte do meu processo lento, desta estrada, deste ano duro como pedras. Estou estripada, extirpada mas mais cheia de vida do que nunca. Tu és a minha catapulta, atiras-me para longe de ti, em cheio na vida. Ergo-me na praia e banho-me no mar morno.
Arrastam-se estrelas no firmamento. Pergunto-me se me caberiam todas no coração sem que explodisse. Provavelmente sim, dado que ainda bate após o amor. Sinto sem limites e sofro pelo pudor de falar. Ironia. As palavras são a minha paixão e não consigo encontrar nenhumas em que caiba o que me vai na alma.
Hoje calcei luvas de látex e peguei no bisturi depois de colocar os óculos bem na ponta do nariz. Talvez até tenha erguido o dedo mindinho uma ou duas vezes. Resultou e divergi. Não te compreendo mas compreendo e aceito o que queres. Elegância não é ser notado, mas sim relembrado.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

RECOMEÇO

Estados de alma. Há pessoas capazes de nos fazer ver o sol através de nuvens cinzentas. Hoje estou feliz. Bailo através do dia amando todos. Sou o messias e transporto comigo a música dos anjos para decretar que o sol nos acompanhará, guardado em cada um de nós. Um secreto deus, uma chama para aquecer a alma quando fora da janela as árvores tiritam no gelo.
O inverno é-me difícil. O frio penetra-me os dedos e a alma, murcho e sou parte da natureza que esmorece. É agora que a vida me parece parada, como um limbo apático de secretos murmúrios subterrâneos. Mantenho-me à tona, ansiando sobreviver para voltar a ver mágicos dedos verdes tacteando pelas margens do rio como um vírus de vida. Quero flores dos campos, abelhas no ar e aquele incomparável silêncio dos fins de tarde de calor. Aqueles fins de tarde em que o olhar finalmente descansa no voo das aves, no bulício do recomeço.
E também eu recomeço. Sacudo a geada e aclaro a alma. A Primavera recebe-se com os pés descalços.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

SALT WATER SONG

Hoje foi-se tudo o que é mau. As pessoas arrombaram a porta e entraram por mim dentro entre gargalhadas e afectos. Surpreendi, fiz rir, fui surpreendida, amei e segredei. E tudo isso como se não existisse, numa perfeita comunhão de almas.
Sinto-me tranquila. Tenho uma longa estrada para percorrer e não lhe vejo o fim. No entanto o horizonte é meu. Sou mochileira de mim e de tudo o que vivi. São tijolos que deixo para trás à medida que caminho para o sol. Para mim ele nunca se porá.
Hoje sou um jardim com coreto e orquestra universal e convido todos para que passeiem ao som da minha música.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

HARMONIA MACROCÓSMICA

Fiquei entre o mar e a montanha e encontrei o meu berço noutra música.
Não sou daqui. Vivo numa realidade esquizofrénica, viajo num comboio que voa na noite e me transporta através de caleidoscópicos chuviscos. Banho-me em cascatas de céu, entre peixes voadores e todos os idiomas se juntam em harmonia macrocósmica. Transporto em mim mais e menos infinito, pertenço ao conjunto dos números complexos e exprimo-me em onze dimensões. Possuo o voo da águia entre os desfiladeiros, vivo permanentemente nos dez segundos antes do por do sol, em que o mundo é mais brilhante e todas as cores são vivas.
Descanso o olhar. Cada um de nós transporta o dom de se elevar acima da bestialidade.